VATICANO, 24 Set. 13 / 02:48 pm (ACI/EWTN
Noticias).- Os migrantes e os refugiados não são "um problema
para lidar, mas um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados;
trata-se de uma oportunidade que a Providência nos oferece para contribuir na
construção de uma sociedade mais justa", assinala o Papa em sua mensagem
pela Jornada Mundial do Migrante e do Refugiado que foi apresentada hoje e que
se celebrará no dia 19 de janeiro de 2014.
A seguir a íntegra da mensagem do Santo Padre:
"Migrantes e refugiados: rumo a um mundo melhor"
Queridos irmãos e irmãs!
As nossas sociedades estão enfrentando, como nunca antes na
história, processos de interdependência mútua e interação em um nível global,
que, mesmo incluindo elementos problemáticos ou negativos, se destinam a
melhorar as condições de vida da família humana, não só nos aspectos
econômicos, mas também nos aspectos políticos e culturais. Cada pessoa, afinal,
pertence à humanidade e partilha a esperança de um futuro melhor com toda a
família dos povos. A partir dessa constatação, nasce o tema que escolhi para o
Dia Mundial dos Migrantes e Refugiados deste ano: "Os migrantes e
refugiados: rumo a um mundo melhor".
Entre os resultados das mudanças modernas, o fenômeno crescente da
mobilidade humana emerge como um "sinal dos tempos", como o definiu o Papa Bento XVI (cf. Mensagem para o Dia Mundial do
migrante e do refugiado de 2006). Se por um lado, as migrações muitas vezes
denunciam fragilidades e lacunas nos Estados e na Comunidade internacional, por
outro, revelam a aspiração da humanidade de viver a unidade, no respeito às
diferenças; de viver o acolhimento e a hospitalidade, que permitem a partilha
equitativa dos bens da terra; de viver a proteção e a promoção da dignidade
humana e da centralidade de cada ser humano.
Do ponto de vista cristão, como em outras realidades humanas
também nos fenômenos migratórios se observa a tensão entre a beleza da criação,
marcada pela Graça e pela Redenção, e o mistério do pecado. A solidariedade e o
acolhimento, os gestos fraternos e de compreensão, veem-se contrapostos à
rejeição, discriminação, aos tráficos de exploração, de dor e de morte. Um
motivo de preocupação são, principalmente, as situações em que a migração não
só é forçada, mas também realizada através de várias modalidades de tráfico
humano e de escravidão.
O "trabalho escravo" é hoje uma moeda corrente! No
entanto, apesar dos problemas, dos riscos e das dificuldades que devem ser
enfrentados, aquilo que anima muitos migrantes e refugiados é o binômio
confiança e esperança: eles trazem em seus corações o desejo de um futuro
melhor não só para si mesmos, mas também para as suas famílias e para os entes
queridos.
O que significa a criação de um "mundo melhor"? Esta expressão
não se refere ingenuamente a conceitos abstratos ou a realidades inatingíveis,
mas se dirige à busca de um desenvolvimento autêntico e integral, para poder
agir de tal modo que haja condições de vida digna para todos, para que se
encontrem respostas justas às necessidades dos indivíduos e das famílias, para
que seja respeitada, preservada e cultivada a criação que Deus nos deu.
O Venerável Papa Paulo VI descrevia com estas palavras as
aspirações dos homens de hoje: «ser liberado da pobreza, ter garantido de um
modo seguro o próprio sustento, a saúde, o emprego estável, ter uma maior
participação nas responsabilidades, fora de qualquer opressão e ao protegido de
condições que ofendem a dignidade humana; poder desfrutar de uma educação
melhor; em uma palavra, fazer conhecer e ter mais, para ser mais
"(Encíclica Populorum Progressio, 26 de março de 1967, n. 6).
O nosso coração quer um "mais" que não seja simplesmente
conhecer mais ou ter mais, mas que seja essencialmente um ser mais. Não se pode
reduzir o desenvolvimento a um mero crescimento econômico, alcançado, muitas
vezes, sem tem em conta os mais fracos e indefesos. O mundo só pode melhorar se
a atenção é dirigida, em primeiro lugar, à pessoa; se a promoção da pessoa é
integral, em todas as suas dimensões, inclusive a espiritual; se não se deixa
ninguém de lado, incluindo os pobres, os doentes, os encarcerados, os
necessitados, os estrangeiros (cf. Mt 25, 31-46); caso se passe de uma cultura
do descartável para uma cultura do encontro e do acolhimento.
Os migrantes e refugiados não são peões no tabuleiro de xadrez da
humanidade. Trata-se de crianças, mulheres e
homens que deixam ou são forçados a abandonar suas casas por vários motivos,
que compartilham o mesmo desejo legítimo de conhecer, de ter, mas, acima de
tudo, de ser mais. É impressionante o número de pessoas que migram de um
continente para outro, bem como aqueles que se deslocam dentro de seus próprios
países e áreas geográficas.
Os fluxos migratórios contemporâneos são o maior movimento de
pessoas, se não de povos, de todos os tempos. No caminho, ao lado dos migrantes
e refugiados, a Igreja se esforça para compreender as causas
que estão na origem das migrações, mas também se esforça no trabalho para
superar os efeitos negativos e aumentar os impactos positivos nas comunidades
de origem, de trânsito e de destino dos fluxos migratórios.
Infelizmente, enquanto incentivamos o desenvolvimento em vista de
um mundo melhor, não podemos silenciar o escândalo da pobreza nas suas várias
dimensões. Violência, exploração, discriminação, marginalização, abordagens
restritivas às liberdades fundamentais, tanto para o indivíduo quanto para grupos,
são alguns dos principais elementos da pobreza que devem ser superados. Muitas
vezes, são justamente esses aspectos que caracterizam os movimentos
migratórios, ligando migração e pobreza.
Fugindo de situações de miséria ou de perseguição em vista de
melhores perspectivas ou para salvar a sua vida, milhões de pessoas embarcam no
caminho da migração e, enquanto esperam encontrar a satisfação das
expectativas, muitas vezes o que encontram é suspeita, fechamento e exclusão;
quando não são golpeados por outros infortúnios, muitas vezes, mais graves e
que ferem a sua dignidade humana.
A realidade das migrações, com as dimensões que assume na nossa
época de globalização, precisa ser tratada e gerida de uma maneira nova, justa
e eficaz, o que exige, acima de tudo, uma cooperação internacional e um
espírito de profunda solidariedade e compaixão. É importante a colaboração em
vários níveis, com a adoção unânime de instrumentos de regulamentação para
proteger e promover a pessoa humana.
O Papa Bento XVI nos traçou as coordenadas, afirmando
que "esta política há de ser desenvolvida a partir de uma estreita
colaboração entre os países donde partem os emigrantes e os países de chegada;
há de ser acompanhada por adequadas normativas internacionais capazes de harmonizar
os diversos sistemas legislativos, na perspectiva de salvaguardar as exigências
e os direitos das pessoas e das famílias emigradas e, ao mesmo tempo, os das
sociedades de chegada dos próprios emigrantes" (Carta Encíclica Caritas in
veritate, 19 de Junho de 2009, 62).
Trabalhar juntos por um mundo melhor requer a ajuda mútua entre os
países, com abertura e confiança, sem levantar barreiras intransponíveis. Uma
boa sinergia pode ser um incentivo para os governantes enfrentarem os
desequilíbrios socioeconômicos e uma globalização sem regras, que se encontram
entre as causas das migrações em que as pessoas são mais vítimas do que
protagonistas. Nenhum país pode enfrentar sozinho as dificuldades associadas a
esse fenômeno que, sendo tão amplo, já afeta todos os Continentes com o seu
duplo movimento de imigração e emigração.
É também importante ressaltar como essa colaboração já começa com
o esforço que cada país deveria fazer para criar melhores condições econômicas
e sociais no seu próprio território, para que a emigração não seja a única
opção para aqueles que buscam a paz, a justiça, a segurança e o pleno respeito
da dignidade humana. Criar oportunidades de emprego nas economias locais
impediria, para além do mais, a separação das famílias e garantiria condições
de estabilidade e de serenidade para os indivíduos e comunidades.
Finalmente, olhando para a realidade dos migrantes e refugiados,
há um terceiro elemento que eu gostaria de destacar neste caminho de construção
de um mundo melhor: a superação de preconceitos e de pré-compreensões, ao
considerar a migração. De fato, não é raro que a chegada de migrantes,
prófugos, requerentes de asilo e refugiados desperte desconfiança e hostilidade
nas populações locais. Surge o medo que se produzam perturbações na segurança
social, que se corra o risco de perder a identidade e a cultura, que se
alimente a concorrência no mercado de trabalho ou, ainda, que se introduzam
novos fatores de criminalidade.
Os meios de comunicação social, neste campo, têm um papel de
grande responsabilidade: cabe a eles, de fato, desmascarar estereótipos e
fornecer informações corretas, o que significará denunciar o erro de alguns,
mas também descrever a honestidade, a retidão e a magnanimidade da maioria.
Para isso, é preciso que todos mudem a atitude em relação aos
migrantes e refugiados; é necessário passar de uma atitude de defesa e de medo,
de desinteresse ou de marginalização – que, no final, corresponde precisamente
à "cultura do descartável" – para uma atitude que tem por base a
"cultura do encontro", a única capaz de construir um mundo mais justo
e fraterno, um mundo melhor. Os meios de comunicação também são chamados a
entrar nesta "conversão de atitudes" e a incentivar esta mudança de
comportamento em relação aos imigrantes e refugiados.
Penso como também a Sagrada Família de Nazaré teve que viver a
experiência de rejeição no início do seu caminho: Maria "deu à luz o seu
filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não
havia lugar na hospedaria" (Lc 2,7). Além disso, Jesus, Maria e José
experimentaram o que significa deixar sua terra natal e ser migrantes: ameaçados pela sede
de poder de Herodes, foram forçados a fugir e buscar refúgio no Egito (cf. Mt
2,13-14).
Mas o coração materno de Maria e o coração zeloso de José,
Protetor da Sagrada Família, sempre mantiveram a confiança de que Deus nunca
abandona. Pela intercessão deles possa ser sempre firme no coração do migrante
e do refugiado esta mesma certeza.
A Igreja, respondendo ao mandato de Cristo: «Ide e fazei
discípulos entre todos as nações», é chamada a ser o Povo de Deus que abraça
todos os povos, e leva a todos os povos o anúncio do Evangelho, pois no rosto
de cada pessoa está estampado o rosto de Cristo! Eis a raiz mais profunda da
dignidade do ser humano que deve ser sempre respeitada e protegida. Não são os
critérios de eficiência, produtividade, de classe social, de pertença étnica ou
religiosa que fundamentam a dignidade da pessoa, mas sim o fato de ser criado à
imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,26-27), e, ainda mais, o fato de ser
filhos de Deus; todo ser humano é um filho de Deus! Nele está impressa a imagem
de Cristo!
Trata-se, então, de o vermos, nós, em primeiro lugar, e de ajudar
os outros a verem no migrante e no refugiado não só um problema para lidar, mas
um irmão e uma irmã a serem acolhidos, respeitados e amados; trata-se de uma
oportunidade que a Providência nos oferece para contribuir na construção de uma
sociedade mais justa, de uma democracia mais completa, de um país mais
inclusivo, de um mundo mais fraterno e de uma comunidade cristã mais aberta, de
acordo com o Evangelho.
As migrações podem criar possibilidades para a nova evangelização;
abrir espaços para o crescimento de uma nova humanidade, preanunciada no
mistério pascal: uma humanidade em que toda terra estrangeira é uma pátria, e
em que toda pátria é uma terra estrangeira.
Queridos migrantes e refugiados! Não percais a esperança de que
também a vós está reservado um futuro mais seguro; Que possais encontrar em
vossos caminhos uma mão estendida; que vos seja permitido experimentar a
solidariedade fraterna e o calor da amizade! Para todos vós e para aqueles que
dedicam suas vidas e suas energias ao vosso lado eu prometo a minha oração e concedo de coração a minha Bênção
Apostólica.
Cidade do Vaticano, 05 de agosto de 2013
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