sexta-feira, 28 de agosto de 2020

NA ÍNTEGRA - Catequese do Papa Francisco - A opção preferencial pelos pobres

QUARTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2020, 9H11

Catequese do Papa Francisco
Tema: "Curar o mundo"
Biblioteca do Palácio Apostólico
Quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Boletim da Santa Sé
Tradução: Liliane Borges (Canção Nova)

Catequese – “Curar o mundo”: 3. A opção preferencial pelos pobres e a virtude da caridade

Caros irmãos e irmãs, bom dia!

A pandemia trouxe à tona uma situação difícil dos pobres e a grande desigualdade que reina no mundo. E o vírus, embora não faça exceções entre as pessoas, encontrou, em seu caminho devastador, grandes desigualdades e discriminação. E ele os aumentou!
A resposta à pandemia é, portanto, dupla. Por um lado, é indispensável encontrar a cura para um vírus pequeno, mas tremendo, que coloca o mundo inteiro de joelhos. Por outro lado, devemos curar um grande vírus, o da injustiça social, da desigualdade de oportunidades, da marginalização e da falta de proteção dos mais fracos. Nesta resposta de dupla cura há uma escolha que, segundo o Evangelho, não pode faltar: a opção preferencial pelos pobres (cf. Exortação apostólica Evangelii gaudium [EG], 195). E esta não é uma opção política, nem mesmo uma opção ideológica, uma opção de partidos. A opção preferencial pelos pobres está no coração do Evangelho. E o primeiro a fazer isso foi Jesus; ouvimo-lo na passagem da Carta aos Coríntios lida no início. Ele, sendo rico, fez-se pobre para nos enriquecer. Ele tornou-se um de nós e por isso, no centro do Evangelho, no centro do anúncio de Jesus, está essa opção.
O próprio Cristo, que é Deus, despojou-se de si mesmo, tornando-se semelhante aos homens; e não escolheu uma vida privilegiada, mas escolheu a condição de servo (cf. Fl 2,6-7). Ele se aniquilou ao se tornar um servo. Ele nasceu em uma família humilde e trabalhou como artesão. No início da sua pregação, anunciou que no Reino de Deus os pobres são bem-aventurados (cf. Mt 5, 3; Lc 6,20; EG, 197). Ele estava em meio aos enfermos, aos pobres, aos excluídos, mostrando-lhes o amor misericordioso de Deus (cf. Catecismo da Igreja Católica, 2444). E, muitas vezes, ele foi julgado como um homem impuro, porque ia aos enfermos, aos leprosos, os quais, segundo a lei da época, eram impuros. E Ele se arriscou para estar perto dos pobres.
Por isso, os seguidores de Jesus são reconhecidos pela proximidade com os pobres, com os pequenos, com os enfermos e presos, com os excluídos, com os esquecidos, com os que são provados de comida e de roupas (cf. Mt 25,31-36; CIC, 2443). Podemos ler aquele famoso parâmetro pelo qual todos seremos julgados, todos seremos julgados. É Mateus, capítulo 25. Este é um critério-chave da autenticidade cristã (cf. Gal 2,10; EG, 195). Alguns pensam, erroneamente, que este amor preferencial pelos pobres é tarefa de poucos, mas, na realidade, é missão de toda a Igreja, disse São João Paulo II (cf. São João Paulo II, Enc. Sollicitudo rei socialis, 42) . «Cada cristão e cada comunidade são chamados a serem instrumentos de Deus para a libertação e promoção dos pobres» (EG, 187).
A fé, a esperança e o amor impelem-nos necessariamente para esta preferência pelos mais necessitados, [1] que vai além da pura assistência necessária (cf. EG, 198). Com efeito, implica caminhar juntos, deixar-nos evangelizar por eles, que conhecem bem o Cristo sofredor, deixar-nos “contagiar” pela sua experiência de salvação, pela sua sabedoria e pela sua criatividade (cf. ibid.). Compartilhar com os pobres significa enriquecer uns aos outros. E, se existem estruturas sociais enfermas que os impedem de sonhar com o futuro, devemos trabalhar juntos para curá-las, para transformá-las (cf.ibid., 195). E a isso conduz ao amor de Cristo, que nos amou ao extremo (cf. Jo 13, 1) e chega até as fronteiras, as margens, as fronteiras existenciais. Colocar as periferias no centro significa centrar a nossa vida em Cristo, que «se fez pobre» por nós, para nos enriquecer «com a sua pobreza» (2 Cor 8, 9) [2].
Estamos todos preocupados com as consequências sociais da pandemia. Todos. Muitos querem voltar à normalidade e retomar as atividades econômicas. Claro, mas essa “normalidade” não deve incluir as injustiças sociais e a degradação do meio ambiente. A pandemia é uma crise e de uma crise não se sai igual: ou saímos melhores ou saímos piores. Devemos sair melhores, para melhorar as injustiças sociais e a degradação ambiental. Hoje, temos a oportunidade de construir algo diferente. Por exemplo, podemos fomentar uma economia de desenvolvimento integral dos pobres e não de assistencialismo. Com isso, não quero condenar a assistência, as obras assistenciais são importantes.
Vamos pensar no voluntariado, que é uma das estruturas mais bonitas que a Igreja italiana possui. Mas devemos ir mais longe e resolver os problemas que nos levam a dar assistência. Uma economia que não recorra a remédios que na verdade envenenam a sociedade, como os rendimentos dissociados da criação de empregos dignos (cf. EG, 204). Este tipo de lucro está dissociado da economia real, aquela que deveria beneficiar as pessoas comuns (cf. Enc. Laudato si ‘[LS], 109), e também, às vezes, é indiferente aos danos infligidos à casa comum. A opção preferencial pelos pobres, esta necessidade ético-social que vem do amor de Deus (cf.LS, 158), dá-nos o impulso de pensar e desenhar uma economia na qual as pessoas, especialmente os mais pobres, estejam no centro.
E também nos encoraja a projetar a cura do vírus privilegiando aqueles que mais precisam. Seria triste se os mais ricos tivessem prioridade na vacina Covid-19! Seria triste se esta vacina se tornasse propriedade desta ou daquela nação e não fosse universal e para todos. E que escândalo seria se toda a ajuda econômica que estamos vendo – a maior parte com dinheiro público – se concentrasse em resgatar indústrias que não contribuem para a inclusão dos excluídos, a promoção dos menores, o bem comum ou o cuidado da criação (ibid.). São critérios para escolher as indústrias a ajudar: aquelas que contribuem para a inclusão dos excluídos, para a promoção dos menos favorecidos, para o bem comum e para o cuidado da criação. Quatro critérios.
Se o vírus se agravar novamente em um mundo injusto para os pobres e mais vulneráveis, precisamos mudar este mundo. Com o exemplo de Jesus, médico do amor divino integral, isto é, cura física, social e espiritual (cf. Jo 5, 6-9) – como a cura que fazia Jesus -, devemos agir agora, para curar as epidemias causadas ​por pequenos vírus invisíveis e para curar aqueles causados ​​por grandes e visíveis injustiças sociais. Proponho que isso seja feito a partir do amor de Deus, colocando as periferias no centro e os últimos em primeiro lugar. Não se esqueça daquele parâmetro sobre o qual seremos julgados, Mateus, capítulo 25. Vamos colocá-lo em prática nesta recuperação da epidemia. E a partir deste amor concreto, ancorado na esperança e fundado na fé, será possível um mundo mais saudável. Caso contrário, sairemos piores da crise. Que o Senhor nos ajude, dê-nos força para sairmos melhor, respondendo às necessidades do mundo de hoje.

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