segunda-feira, 18 de junho de 2012

LINDA HISTÓRIA DE SUPERAÇÃO - Internada há 36 anos em UTI lança livro de memórias escrito com a boca


LÁUDIA COLLUCCI

DE SÃO PAULO

Faz 36 anos que Eliana Zagui vive deitada num leito de UTI 
do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo. 
Vítima de paralisia infantil aos dois anos, ela perdeu os movimentos 
do pescoço para baixo. Respira com ajuda de equipamentos.
Na cama, a menina se formou no ensino médio, 
aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e 
tornou-se pintora. Tudo isso usando a boca para escrever, 
pintar e digitar. Hoje, lança (só para convidados) 
seu primeiro livro: 
(Belaletra Editora).
Pulmão de aço é o nome de uma máquina, inventada
 na década de 1920, parecida com um forno. As pessoas com 
insuficiência respiratória eram colocadas 
dentro dela, com a cabeça de fora.
Eliana ficou cinco dias lá dentro, mas não funcionou. 
A pólio havia paralisado completamente o diafragma 
e a deglutição. Ela teve, então, que ser conectada para 
sempre a um respirador artificial. Só consegue ficar 
poucas horas longe do aparelho.

Marisa Cauduro/Folhapress
Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e meio mora no Hospital das Clinicas
Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e
 meio mora no Hospital das Clinicas

Entre 1955 e o final da década de 70, 5.789 crianças vítimas 
da pólio foram internadas no HC. Sete delas, atingidas com 
mais severidade, ficavam lado a lado na UTI. 
"Nós nos apegávamos um ao outro, como numa grande família. 
Era a única maneira de suportar aquilo tudo", lembra Eliana.
Da turminha, só sobreviveram ela e Paulo Machado, 43, 
que divide o quarto com a amiga e cuja história de vida 
também aparece no livro. 
"A Eliana é minha irmã, a minha família. Tem temperamento forte. 
Quando vejo que ela está brava, coloco os fones de 
ouvido e fico na minha", diz.
Eles poderiam viver com suas famílias, com o apoio 
do hospital. Mas nunca houve interesse por parte delas. 
Os parentes raramente os visitam. 
"Não me magoo mais. Já sofri muito e hoje aprendi 
que cada um é cada um."
Eliana e Paulo passam a maior parte do tempo 
na internet. Ela gosta de sites de relacionamentos, 
de pintura e artesanato. Paulo é aficionado por cinema. 
Está envolvido na produção de uma animação cuja 
protagonista é Teca, o apelido carinhoso pelo qual chama 
Eliana. E, para ela, o amigo é o Teco.
Quando é necessário, ele faz as vezes de irmão mais velho. 
"Dias atrás, eu me irritei no Face [Facebook] e postei uma 
mensagem malcriada. O Paulo viu e me chamou a atenção", 
conta Eliana, que chegou a ter 3.000 amigos virtuais. 
"Fiz uma limpa no final do ano e só deixei uns cem. 
Agora tenho uns 300, mas preciso limpar de novo."
A saudade dos amigos reais, os quais viu morrer 
um a um, é o que mais a entristece. 
"Foram momentos tão bons. Mas não voltam mais."
No livro, ela relata que flertou com o suicídio. 
"Avaliava as possibilidades: arrancar a cânula da traqueia 
com a boca, cortar ou furar o pescoço." 
E encerra com humor. 
"Descobrimos que até para morrer antes da hora 
precisamos da ajuda de alguém."
Eliana diz que, volta e meia, essas ideias ainda a visitam, 
mas que hoje tenta aliviar suas angústias nas 
sessões semanais de análise.

Marisa Cauduro/Folhapress
Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória
Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória

Pergunto se sonha em viver na casa dos pais. 
"Não. Eu iria estagnar", responde convicta. Mas, sim, ela 
sonha em morar fora do hospital.
Em dezembro último, pela primeira vez em 36 anos, passou 
o Natal fora do HC, na casa de amigos. Foi de maca e com 
respirador artificial portátil. 
"Foi uma experiência ótima, indescritível."
Quanto ao livro, Eliana diz esperar que ele ajude 
"aqueles que não querem nada com a vida". 
"É claro que cada um tem as suas dores. A minha desgraça 
não é maior que a sua nem a sua é maior que a minha. 
Mas é sempre bom poder aprender a tirar 
o que vale a pena da vida."

AUTORA Eliana Zagui
PREÇO R$ 36
PÁGINAS 240

EDITORA Belaletra

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