sábado, 31 de dezembro de 2022

Morre Bento XVI: o ‘humilde trabalhador’ e seu legado de esperança à Igreja Católica


Vaticano, 31 Dez. 22 / 09:50 am (ACI).- O papa emérito Bento XVI morreu em hoje (31), com a idade de 95 anos, encerrando uma vida cheia de eventos de um clérigo que proclamou a ‘eterna alegria’ de Jesus Cristo e chamou a si mesmo de ‘humilde trabalhador’ na vinha do Senhor.
Sua morte foi anunciada em Roma hoje (31).
O cardeal Joseph Aloisius Ratzinger foi eleito papa em 19 de abril de 2005 e adotou o nome de Bento XVI. Oito anos depois, em 11 de fevereiro de 2013, aos 85 anos, ele chocou o mundo com o anúncio, feito em latim, de que renunciava ao papado. Foi a primeira renúncia de um papa em quase 600 anos. Bento XVI alegou a idade avançada e a falta de vigor como impróprios para o exercício do cargo.
O enorme legado de suas contribuições teologicamente profundas à Igreja e ao mundo continuarão sendo uma fonte de reflexão e estudo.
Antes mesmo de sua eleição como papa, Ratzinger exerceu influência duradoura na Igreja moderna, primeiro como jovem teólogo no concílio Vaticano II (1962-1965) e, depois, como prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé.
Defensor articulado da doutrina católica, ele cunhou o termo “ditadura do relativismo” para descrever a crescente intolerância religiosa do secularismo no século XXI.
O pontificado de Bento XVI foi moldado por sua profunda compreensão desse desafio à Igreja e ao catolicismo diante da crescente agressão ideológica, de uma mentalidade ocidental cada vez mais secular, tanto dentro quanto fora da Igreja.
Bento XVI foi também um dos principais arquitetos da luta contra o abuso sexual na Igreja no início dos anos 2000. Ele supervisionou as extensas mudanças feitas no direito canônico e demitiu do estado clerical centenas de abusadores. Ele também iniciou uma investigação canônica dos Legionários de Cristo, depois de crescentes legações sobre graves abusos sexuais perpetrados por seu fundador, o padre mexicano Marcial Maciel Degollado. A investigação canônica levou a um longo processo de reforma sob a autoridade do cardeal Velasio de Paolis.
Milhões de pessoas no mundo todo leram os livros de Bento XVI, entre os quais o inovador Introdução ao Cristianismo, de 1968, e os três volumes de Jesus de Nazaré, publicados entre 2007 e 2012.
Ao se tornar o primeiro papa a renunciar ao cargo em quase 600 anos, Bento XVI viajou da cidade do Vaticano a Castel Gandolfo de helicóptero, em 28 de fevereiro de 2013, e, no mês de maio seguinte, assumiu uma vida de recolhimento no mosteiro Mater Ecclesiae, nos jardins do Vaticano.

Um helicóptero transporta o papa emérito Bento XVI quando ele se
aposenta oficialmente na Cidade do Vaticano em
28 de fevereiro de 2013.
Getty Images News/Getty Images.

“Sou simplesmente um peregrino que está iniciando o último estágio de sua peregrinação na terra”, disse em suas últimas palavras como papa. “Vamos em frente juntos com o Senhor pelo bem da Igreja e do mundo.”
O papa emérito era conhecido por seu amor à música — ele tocava Mozart e Beethoven ao piano. Também gostava de gatos, biscoitos de Natal e cerveja alemã.

Um chamado superior em tempos de guerra

Joseph Ratzinger nasceu em 16 de abril de 1927, um Sábado Santo, em Marktl am Inn, na Bavária, Alemanha, de pais católicos. Seu pai, Joseph, membro de uma família tradicional de fazendeiros bávaros, foi policial. Joseph pai, no entanto, era opositor dos nazistas e a família teve que se mudar para Traunstein, uma cidade pequena na fronteira com a Áustria.
Joseph e seus irmãos mais velhos, Georg e Maria, cresceram, pois, no período nazista da Alemanha, que ele iria chamar mais tarde de “regime sinistro” que “baniu Deus e assim tornou-se impermeável a qualquer coisa verdadeira e boa”. Ele foi convocado para o serviço militar auxiliar antiaéreo nos meses finais da Segunda Guerra Mundial, desertou e passou um breve período em um campo de prisioneiros de guerra americano.
Depois da guerra, Ratzinger retomou os estudos para o sacerdócio e foi ordenado em 29 de junho de 1951, junto com seu irmão, monsenhor Georg Ratzinger. Os dois se mantiveram próximos ao longo de toda a vida. Pouco antes de Georg morrer em 2021, Bento viajou à Bavária para visitá-lo. Depois da morte, o papa emérito prestou tributo ao irmão.

Da esquerda para a direita: Joseph Ratzinger, filho;
Mary e Joseph Ratzinger (pais);
Maria (irmã de Bento XVI); e George Ratzinger. Vatican Media.

Enquanto Georg se tornou um maestro de coral notável, Joseph fez doutorado em teologia e por fim se tornou professor universitário, deão e vice-reitor da prestigiosa Universidade de Regensburg, na Bavária.
Ratzinger atuou no Concílio Vaticano II como perito para o arcebispo de Colônia, cardeal Joseph Frings. Em 1972, ele se juntou a teólogos importantes como os jesuítas Hans Urs von Balthasar, suíço, e Henri de Lubac, francês, na fundação da revista Communio para refletir fielmente sobre teologia no turbulento período posterior ao concílio e refutar as várias interpretações incorretas dos documentos conciliares que estavam sendo dadas.
O papa são Paulo VI o nomeou arcebispo de Munique e Freising no início de 1977 e o nomeou cardeal em junho do mesmo ano.
Em 1981, são João Paulo II nomeou Ratzinger prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, presidente da Pontifícia Comissão Bíblica, e presidente da Comissão Teológica Internacional.
Ele teve um papel determinante na preparação do Catecismo da Igreja Católica, publicado em 1992, e no esclarecimento e defesa da doutrina católica. Por seus esforços, ele foi hostilizado pela mídia secular e grupos progressistas católicos, especialmente quando cumpriu o papel de investigar trabalhos de alguns teólogos que propunham ensinamentos errados e até heréticos. No Brasil, foi especialmente vilipendiado depois da publicação, em 1984, da “Instrução sobre alguns Aspectos da Teologia da Libertação”, em que condenava a abordagem marxista da teologia, então muito em voga em toda a América Latina.
Em 1997, aos 70 anos, o então cardeal pediu a João Paulo II que o deixasse renunciar a seu cargo na cúria para que pudesse trabalhar na biblioteca do Vaticano. João Paulo II pediu-lhe para continuar no posto e ele continuou sendo uma das principais figuras do pontificado até a morte do papa em abril de 2005.
Depois da morte de João Paulo II, Ratzinger foi eleito para o papado em um dos conclaves mais curtos da história moderna.

Um chamado à renovação

O cardeal Ratzinger escolheu o nome Bento XVI porque, como explicou em uma audiência geral poucos dias depois da eleição, Bento XV, papa de 1914 a 1922, também foi o timoneiro da Igreja em um período de tormentas durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). “Nas suas pegadas desejo colocar o meu ministério ao serviço da reconciliação e da harmonia entre os homens e os povos, profundamente convencido de que o grande bem da paz é antes de tudo dom de Deus”, disse ele em 27 de abril de 2005.
“O nome Bento recorda também a extraordinária figura do grande ‘Patriarca do monaquismo ocidental’”, disse ele. O co-padroeiro da Europa foi “um ponto de referência fundamental para a unidade da Europa e uma forte chamada às irrenunciáveis raízes cristãs da sua cultura e da sua civilização”.

Bento XVI na sacadade bênçãos da basílica de São Pedro
após o anúncio de sua eleição como papa,
19 de abril de 2005. Vatican Media.

O pontificado de Bento XVI foi marcado por esforços de renovação eclesial, intelectual e espiritual, o que incluiu fazer frente ao relativismo e ao secularismo, combater o flagelo do abuso sexual do clero, impulsionar uma reforma litúrgica e promover o avanço de uma interpretação autêntica do Concílio Vaticano II.
Na homilia que fez antes do conclave de 2005 que o elegeu, o futuro papa admoestou contra uma “ditadura do relativismo que nada reconhece como definitivo e que deixa como última medida apenas o próprio eu e as suas vontades”.
Ele sublinhou que Jesus Cristo é “a medida do verdadeiro humanismo” e uma fé madura e amizade com Deus servem de “critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade”.
Em seu discurso no salão de Westminster aos líderes da Sociedade Britânica durante sua visita ao Reino Unido em 2010, ele falou sobre os imensos perigos para a sociedade contemporânea quando a religião é tirada da esfera pública.
“Existem pessoas segundo as quais a voz da religião deveria ser silenciada”, disse ele, “ou, na melhor das hipóteses, relegada à esfera puramente particular. Outros ainda afirmam que a celebração pública de festividades como o Natal deveria ser desencorajada, segundo a questionável convicção de que ela poderia de alguma maneira ofender aqueles que pertencem a outras ou a nenhuma religião. E há outros ainda que — paradoxalmente com a finalidade de eliminar as discriminações — chegam a considerar que os cristãos que desempenham funções públicas deveriam, em determinados casos, agir contra a própria consciência. Trata-se de sinais preocupantes da incapacidade de ter na justa consideração não apenas os direitos dos crentes à liberdade de consciência e de religião, mas também o papel legítimo da religião na esfera pública”.

Envolver o Islã, encorajar a evangelização

Muito mais controvertido foi seu discurso na Universidade de Regensburg em 2006 a representantes do mundo da ciência. Ele criticou formas de pensamento secular que promovem “uma razão, que diante do divino é surda e repele a religião para o âmbito das subculturas”, condenando essa atitude como “incapaz de inserir-se no diálogo das culturas”. Ele também criticou escolas de pensamento cristãs e muçulmanas que exaltam erroneamente a “transcendência e a diversidade de Deus” a tal ponto que a razão humana e o entendimento do bem “deixam de ser um verdadeiro espelho de Deus”.
Parte da imprensa e vários políticos tiraram propositalmente o discurso de seu contexto, chamando atenção para uma única citação de um imperador bizantino. Essa distorção foi seguida de um surto de violência em parte do mundo muçulmano. Apesar dessas reações, a real contribuição de Bento XVI levou a esforços mais significativos de um diálogo cristão-muçulmano sincero. Um diálogo que não esconda as diferenças e convoque a reciprocidade no respeito aos direitos.

papa Bento XVI troca presentes com o rei
Abdullah da Arábia Saudita (à esquerda)
no Vaticano em 6 de novembro de 2007.
POOL/AFP via Getty Images.

Tendo reconhecido a profunda crise existencial e espiritual que o mundo enfrenta, particularmente no Ocidente, Bento XVI recordou aos católicos de toda parte do chamado a evangelizar. Ele foi um importante apoiador da Nova Evangelização convocada pelo papa são João Paulo II, especialmente pregar e viver o Evangelho no que ele chamou de “continente digital”, o mundo das comunicações online e das redes sociais.
“Não existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância”, disse ele em sua exortação apostólica pós-sinodal sobre a palavra de Deus de 2010, Verbum Domini.

Visões conflitantes sobre o Vaticano II

Bento XVI também viu a necessidade de a Igreja adotar um entendimento autêntico do Concilio Vaticano II, observando em um discurso fundamental feito 2005 dois modelos interpretativos (duas hermenêuticas) em competição que emergiram depois do concílio.
A primeira, uma hermenêutica de descontinuidade e ruptura, propõe que há uma quebra entre o concílio e o passado e que não os textos, mas um vago “espírito do concílio” deveria guiar sua interpretação e implementação. “Em síntese: seria necessário seguir não os textos do Concílio, mas o seu espírito. Deste modo, obviamente, permanece uma vasta margem para a pergunta sobre o modo como, então, se define este espírito e, por conseguinte, se concede espaço a toda a inconstância”, escreveu Bento.
Contra a hermenêutica da ruptura, Bento propôs a hermenêutica da continuidade que ele chamava de "hermenêutica da reforma", da “renovação na continuidade do único sujeito-Igreja, que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo, porém, sempre o mesmo, único sujeito do Povo de Deus a caminho”.
Seus esforços para estabelecer uma interpretação correta do Concílio Vaticano II duraram até o fim de seu pontificado. Em 14 de fevereiro de 2013, apenas duas semanas antes de sua renúncia entrar em vigor, ele disse que o concílio tinha sido inicialmente interpretado “pelos olhos da imprensa”, que o retratou como uma “disputa política” entre diferentes correntes dentro da Igreja.
Esse “concílio da mídia” criou “muitas calamidades” e “assim, muito sofrimento”, com o resultado que seminários e conventos fecharam e a liturgia foi “banalizada”. Bento XVI disse que a verdadeira interpretação do Concílio Vaticano II está “emergindo com toda sua força espiritual”.

O papa Bento XVI assiste ao Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização
para a Transmissão da Fé Cristã na sala do Sínodo, 19 de outubro de 2012,
na Cidade do Vaticano. O Sínodo dos Bispos foi instituído pelo papa Paulo VI
em 1965, após o Concílio Vaticano II. Franco Origlia/Getty Images.

O chamado à continuidade e à reforma encontrou rica expressão na atenção do papa à liturgia, particularmente por meio de seu grande livro O Espírito da Liturgia e seus esforços para encorajar o retorno à reverência e beleza na liturgia. “Sim, a liturgia se torna pessoal, verdadeira e nova”, escreveu ele, “não através de palhaçada e experiências banais com as palavras, mas através de uma corajosa entrada na grande realidade que através do rito está sempre à frente de nós e nunca pode ser exatamente ultrapassada” (p. 169). Acima de tudo, sua visão para a liturgia pôs Deus novamente no centro: “A ‘ação’ real na liturgia em que se supõe que todos nós participemos é a ação do próprio Deus. Isso é o que é novo e distintivo acerca da liturgia cristã: o próprio Deus age e faz o que é essencial” (p. 173).
Pondo em prática sua preocupação, ele publicou a carta apostólica Summorum pontificum, de 2007, que estendeu significativamente a autorização aos padres de celebrar missa segundo o missal anterior às reformas de 1970. Ele escreveu na carta que acompanha Summorum pontificum: “Na história da Liturgia, há crescimento e progresso, mas nenhuma ruptura. Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar”
E, em resposta à pergunta se essa reautorização da missa tridentina era mais uma concessão à cismática Sociedade São Pio X, Bento XVI disse a Peter Seewald em Testamento Final (2016): “Isso é completamente falso! Era importante para mim que a Igreja é uma consigo mesma internamente, com seu próprio passado; o que era santo antes para ela não pode de algum modo ser errado agora”.
Seu esforço de reformar a Cúria Romana ficou incompleto com sua renúncia. A atenção da imprensa se concentrou especialmente no chamado escândalo Vati-leaks: o vazamento de documentos privados do papa e a prisão e julgamento do mordomo papal. Mesmo assim, ele deu passos importantes no rumo de uma genuína transparência financeira que foram continuados pelo papa Francisco.
Do mesmo modo, em seus anos como prefeito e depois papa, ele deitou um fundamento vital na resposta da Igreja à crise e ajudou a pavimentar o caminho para as reformas seguintes sob o papa Francisco.

Tomando posição firme sobre os casos de abuso

Muito antes de sua eleição como papa, o então cardeal Ratzinger tinha impulsionado esforços sérios no confronto do flagelo do abuso sexual por parte do clero. Em 2001, ele teve papel fundamental em pôr os casos de abuso sob a jurisdição da Congregação da Doutrina da Fé e ajudou os bispos dos EUA a receber a aprovação da Santa Sé para a Carta de Dallas e as Normas Essenciais que formaram então a base do imenso progresso em como lidar com o abuso do clero nos EUA.
Dias antes da morte de João Paulo II, em março de 2005, Ratzinger escreveu as meditações da Via Crucis na Sexta-Feira Santa em Roma. Em sua reflexão na Nona Estação, ele fez a ríspida condenação:
“Quanta sujeira há na Igreja, e precisamente entre aqueles que, no sacerdócio, deveriam pertencer completamente a Ele!”. O comentário prefigurava seu compromisso de lutar contra o abuso a partir do momento de sua eleição.

Cardeal Joseph Ratzinger na Vigília Pascal na basílica de São Pedro,
26 de março de 2005, na Cidade do Vaticano.
Franco Origlia/Getty Images.

Centenas de padres que tinham cometido abuso sexual foram demovidos do estado clerical sob Bento XVI. Foi uma continuação de seu trabalho na Congregação para a Doutrina da Fé, mas passou a ser acompanhado de pedidos formais de desculpa às vítimas como aconteceu com a presença pessoal do papa nos EUA, na Austrália, no Canadá e na Irlanda. Em 2008, durante sua viagem aos EUA, ele se encontrou pessoalmente com vítimas, e em 2010 ele escreveu uma carta pastoral aos católicos da Irlanda pedindo perdão pelo enorme sofrimento causado pelo abuso. “Sofrestes tremendamente”, escreveu ele, “e por isto sinto profundo desgosto. Sei que nada pode cancelar o mal que suportastes. Foi traída a vossa confiança e violada a vossa dignidade. Muitos de vós experimentastes que, quando éreis suficientemente corajosos para falar de quanto tinha acontecido, ninguém vos ouvia”.

Um professor e teólogo de destaque

A despeito de sua idade avançada no momento de sua eleição, Bento XVI continuou o hábito de são João Paulo II de viajar ao redor do mundo. Suas 25 viagens apostólicas fora da Itália incluíram três idas a sua Alemanha natal e três Jornadas Mundiais da Juventude.
Sua visita à Turquia em 2006 se concentrou nas relações com o Islã e a cristandade ortodoxa, com sua presença na divina liturgia celebrada pelo patriarca de Constantinopla. Durante sua viagem aos EUA em 2008, ele visitou o local das torres destruídas do World Trade Center, uma sinagoga em Nova York e a Universidade Católica da América.
“Cristo é o caminho que conduz ao Pai, a verdade que dá significado à existência humana, e a fonte daquela vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos céus”, disse ele a 60 mil pessoas reunidas para a missa no Estádio dos Yankees em Nova York em abril de 2008.

Papa Bento XVI visita os Estados Unidos, de 15 a 20 de abril de 2008.
Vatican Media

Embora não tenha batido o recorde de canonizações e beatificações, Bento XVI canonizou 45 novos santos, entre os quais Damien de Veuster, o padre leproso de Molokai (2008), o canadense André Bessette (2010) e Kateri Tekakwitha (2012), a primeira santa americana nativa. Ele teve a distinção única de autorizar o início da causa de canonização de seu predecessor João Paulo II, e teve o grande prazer de presidir sua beatificação em 2011. São João Paulo II seria canonizado em 2014 pelo papa Francisco.
Ele também nomeou dois doutores da Igreja em 2012, a abadessa e mística medieval alemã Hildegarda de Bingen, e o padre espanhol são João de Ávila.
Suas três encíclicas, Caritas in veritate, Spe salvi, e Deus caritas est, sublinharam as virtudes do amor e da esperança. O papa Francisco incorporou a encíclica inacabada de Bento sobre a fé em sua própria encíclica Lumen fidei, de 2013.
Cada uma das encíclicas trouxe reflexões profundas de Bento XVI, um dos grandes teólogos da Igreja. A mesma importância se pode atribuir a suas exortações pós-sinodais, frutos dos sínodos dos bispos realizados sob sua direção. A exortação Sacramentum caritatis, de 2007, sobre a Eucaristia como “fonte e ápice da vida e da missão da Igreja” antecipou à convocação a uma revivescência eucarística nos últimos anos.
“Sacramento da Caridade”, escreveu Bento, “a santíssima Eucaristia é a doação que Jesus Cristo faz de Si mesmo, revelando-nos o amor infinito de Deus por cada homem... Que maravilha deve suscitar, também no nosso coração, o mistério eucarístico!”.
A fama de Bento como teólogo e escritor estava bem estabelecida internacionalmente antes de sua eleição para o papado. Entre seus livros está Introdução ao Cristianismo, compilação de suas palestras universitárias sobre a fé no mundo moderno. Os livros de suas entrevistas, como Relatório sobre a Fé, de 1985 com Vittorio Messori, e Sal da Terra, de 1996, Deus e o Mundo, de 2000, e Luz do Mundo, de 2010, com o jornalista e escritor alemão Peter Seewald foram grandes best-sellers. Um dos livros populares escritos por ele foi a trilogia Jesus de Nazaré, um esforço de explicar Jesus Cristo para o mundo moderno.

Um papa emérito

Bento levou uma vida de oração e reflexão depois da eleição do papa Francisco, encontrando-se e conversando ocasionalmente com seu sucessor. No fim, seu período aposentado e em retiro foi mais longo do que o seu pontificado.
Ele esteve presente na canonização de João Paulo II e do papa João XXIII em São Pedro em 27 de abril de 2014. Ele também participou do lançamento do ano Santo da Misericórdia em 8 de dezembro de 2015.
Intervenções públicas ocasionais deflagraram reações e debate intensos. Em 2019, ele deu sua contribuição à discussão sobre a crise de abuso sexual com um ensaio que ia ao cerne da questão: a ditadura do relativismo sobre a qual ele havia avisado em 2005. “Hoje, a acusação contra Deus é, acima de tudo, desprezo de Sua Igreja como algo maligno em sua totalidade e, portanto, nos desencoraja dela. A ideia de uma Igreja melhor, feita por nós mesmos, é na verdade uma proposta do diabo, com a qual ele quer nos afastar do Deus vivo usando uma lógica enganosa em que podemos facilmente cair. Não, ainda hoje a Igreja não é feita apenas de peixes ruins e ervas daninhas. A Igreja de Deus também existe hoje e hoje é o mesmo instrumento pelo qual Deus nos salva”.

Papa Francisco visita Bento XVI em 27 de agosto de 2022.
Vatican Media

Em julho de 2021, o papa emérito, então com 94 anos alertou sobre uma Igreja e uma doutrina sem fé: “Só a fé liberta o homem de suas amarras e da estreiteza de seu tempo”.
Em fevereiro de 2022, o papa emérito publicou uma carta em reação a um relatório sobre abuso na arquidiocese de Munique-Freising que o acusava pelo modo como lidou com casos de abuso durante seu período como arcebispo no final dos anos 1970. Na carta ele, mais uma vez, expressou a todas as vítimas de abuso sexual sua profunda vergonha, seu profundo sofrimento e seu sincero pedido de desculpas.
A carta também serviu, de muitas formas, como uma meditação final sobre sua vida retirada, mas também sobre a fé constante que caracterizou seus esforços em nome de Cristo e Sua Igreja.
“Muito em breve”, escreveu ele, “devo me encontrar diante do juiz final de minha vida. Ainda que, conforme olho para minha longa vida passada, posso ter grande motivo para temor e tremor, estou com bom ânimo, pois confio firmemente que o Senhor é não somente o justo juiz, mas também o amigo e irmão que já sofreu ele próprio pelas minhas falhas, e é, assim, também meu advogado, meu ‘Paráclito’. Na luz da hora do julgamento, a graça de ser um cristão se torna mais clara para mim. Ele me concede conhecimento e, de fato, amizade, com o juiz da minha vida, e assim me permite passar confiante pela hora escura da morte”.
O papa Francisco deve celebrar a missa funeral de Bento XVI.

Nenhum comentário:

Postar um comentário