quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Concílio Vaticano II

Concílio Vaticano II

Publicado em 25/06/2013
Por Fernando Altemeyer Junior*
Grande momento do Concílio Vaticano II, os bispos decidem realizar o Concílio como um colégio apostólico em união com o papa.
Que longo caminho fez a Igreja no século 20! No Concílio Vaticano I, entre 1869 e 1870, participaram 744 bispos de um total de mil. A maioria da Europa, além de 121 padres das Américas, 41 da Ásia, 61 de ritos orientais, 18 da Oceania e só 9 de toda a África.
Já na primeira sessão do Concílio Vaticano II, em 1962, presentes 2.449 padres de 2.778 bispos convocados. Provinham de 116 países. Da Europa Ocidental eram 849; 601 da América Latina; 332 da América do Norte; 256 da Ásia; 174 do bloco comunista; 95 do mundo árabe; 70 da Oceania; e desta vez 250 bispos da África negra. Bom número (60%) não chegava aos 62 anos de idade, particularmente composto de jovens bispos vindos das Américas e da África por dezenas de nomeações do papa João XXIII a partir de 1959. O próprio papa fará na Basílica de São Pedro, a primeira sagração de um bispo negro, Charles Msakila, de Karema, Tanzânia, em 27 de dezembro de 1958. A África poderá falar ao mundo cristão pela voz dos mesmos africanos. Os orientais com sua riqueza e tradição poderão ser reconhecidos e não mais ignorados pelo mundo ocidental latino. Os momentos decisivos serão muitos e agora televisionados.
O Concílio será inédito quanto ao número. Dez mil pessoas atuarão nele, incluindo os auditores leigos, os casais, peritos, monges, religiosos, funcionários, tradutores e as dezenas de jornalistas. Será único por receber significativo número de bispos de países comunistas, exceto da China. Expressiva a presença dos bispos da Polônia, incluídos o jovem Karol Joseph Wojtyla (futuro papa), com passaporte especial da Santa Sé, e o primaz da Polônia, cardeal Wyszynski. A presença de bispos do Leste foi possível graças a um meticuloso trabalho do enviado papal, monsenhor Lardoni, que fora a Istambul, Turquia, tratar com o embaixador da Rússia a permissão de viagem pelas autoridades soviéticas. Emblemática será a participação do arcebispo de Praga, Tchecoslováquia, cardeal Josef Beran, direto da prisão para um exílio forçado até sua morte, em Roma, depois de três anos em prisões nazistas e de 14 anos incomunicável em cárceres comunistas.
Consciência coletiva
O grande momento decisivo foi quando no segundo dia de trabalhos, 13 de outubro de 1962, depois de uma chuva torrencial em Roma, os bispos decidem realizar o Concílio como um colégio apostólico em união com o papa. Os bispos da Itália eram mais de 400, e acreditavam poder dirigir o encontro, mas nunca se encontraram como conferência episcopal. Tinha-se como certa a escolha das listas prévias da Cúria Romana. Um inédito pedido de dois membros da mesa diretora: cardeal Liénart de Lille, França, e cardeal Frings, de Köln, Alemanha, alterará todo o cenário. Solicitaram que a votação dos membros das comissões fosse adiada para que os bispos se conhecessem. As confêrencias episcopais puderam elaborar, então, novas listas, e nenhum italiano das listas prévias será eleito. Este será um momento nevrálgico para a consciência coletiva do evento conciliar. A maioria conciliar fará circular listas vitoriosas que trarão bispos como Manuel Larraín, Dario Miranda, Raul Silva Enriquez, Luigi Bertazzi e representantes dos orientais (patriarca Máximos) além de bispos jovens da África e Ásia que jamais seriam indicados pelas listas da Cúria. O próprio papa João XXIII dará seu apoio explícito ao gesto de colegialidade e comunhão dos bispos que assumiam assim o Concílio de fato e de direito, com maturidade. Irão rejeitar os 70 projetos prévios e farão tudo novo, bebendo das fontes da patrística e da fecunda produção de teólogos inovadores como Karl Rahner, Yves Congar e o jovem professor Joseph Ratzinger (o nosso atual papa).
Houve a ação preliminar de bispos profetas como Helder Câmara, João Batista Montini (o futuro papa Paulo VI), cardeal Suenens, da Bélgica, e cardeal Lercaro, de Bologna, Itália. Estavam sintonizados com a maioria dos padres e sensíveis aos novos desafios propostos pelo papa no discurso inaugural e visíveis no mundo. O espanto dos italianos será somado á a alegria dos novos bispos de todo o mundo católico que começarão a propor novos modos e novos esquemas teológicos de pensar e agir como Igreja universal e refletir esta nova identidade no seio do mundo moderno.
Lumen Gentium
Outro acontecimento decisivo é o processo da elaboração da Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, que é o texto central dos 16 documentos aprovados. A Igreja se afirma como comunhão de pessoas que marcham na história e vivem os dramas da condição humana, construindo o novo Povo de Deus, e comunica a mensagem alegre do Evangelho de Cristo a toda criatura: “Não desfaleça na perfeita fidelidade, mas permaneça sempre a Esposa digna do seu Senhor (LG 9)”. Como afirmará o perito brasileiro Guilherme Baraúna, em 1965: “A Lumen Gentium nada mais é que uma nova plataforma de lançamento e de projeção para o futuro. Ela injetou sangue novo na comunidade católica e cristã. Urge agora fazer que este novo plasma entre a fazer parte de sua circulação vital” (A Igreja do Vaticano II, Vozes, 1965, p. 26).
Algumas pérolas preciosas reencontradas pelo Concílio: uma Igreja entendida como comunhão de Igrejas particulares; os 140 observadores das Igrejas irmãs e de leigos ouvintes; uma Igreja não mais reivindicando domínio, mas liberdade; o sacerdócio batismal dos leigos como expressão corresponsável dos ministérios; a vivência adulta da liturgia por toda a comunidade dos fiéis; a relação estreita entre a Tradição e a Escritura, que faz com que o magistério não esteja acima da Palavra de Deus, mas a seu serviço (cf. Dei Verbum 9-10).
Dom Loris Capovilla, bispo emérito de Loreto, Itália, secretário pessoal de João XXIII, dirá que: “Hoje sabemos, melhor que ontem, quem somos e para onde vamos (Lumen Gentium), que idioma devemos falar e que mensagem devemos difundir (Dei Verbum), como e com que intensidade rezar (Sacrosanctum Concilium); que atitude assumir diante dos problemas e dramas da humanidade contemporânea (Gaudium et Spes). São “os quatro pilares que sustentam o edifício da renovada teologia pastoral e alentam a escutar a voz de Deus, a dirigir-se a Deus como filhos, e obrigam a dialogar com todos, os compromissos da família humana”.
As novidades foram muitas pelo sopro do Espírito Santo, mas a missão de aplicar e colher os frutos deste concílio ecumênico continua, pois como escreveu o padre Yves Congar: “A obra realizada é fantástica. Entretanto, resta tudo por fazer”.
* Fernando Altemeyer Junior é mestre em Teologia e Ciências da Religião pela Universidade Católica de Louvain-La-Neuve, na Bélgica, e doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e assistente doutor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pertence ao Departamento de Ciências da Religião e escreve em revistas e periódicos sobre Teologia e Religião.

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