O MÉDICO LADRÃO
30/4/2013
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Uma velha senhora doente dos olhos mandou chamar um médico. Ele foi
atendê-la e, sempre que lhe aplicava um unguento, roubava alguma coisa da
casa, já que ela estava de olhos fechados. Depois de tratá-la e de levar seus
móveis, apresentou-lhe a conta. Como a velha não quis pagá-lo, ele abriu-lhe
um processo. No tribunal, ela declarou que tinha se comprometido com ele a
pagar desde que ele a curasse; ora, no momento, ela estava vendo bem menos
que antes da cura: - Antes - disse ela - eu via todos os móveis de minha
casa; agora não vejo mais nenhum.
Sempre simpáticas as antigas fábulas de Esopo. No caso, a senhora
idosa acabou vendo melhor do que o médico pensava: percebeu que tinha sido
roubada. A vista é um grande dom, mas não basta enxergar bem, é preciso compreender
o que estamos vendo. É por isso que na frente da mesma realidade nem todos os
que estão olhando enxergam a mesma coisa.
No segundo domingo de Páscoa, todo ano encontramos o evangelho de João
que apresenta a primeira aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos
reunidos e bem trancados em casa por medo dos judeus. Tomé não estava
presente e não acreditou naquilo que os outros diziam ter visto. Oito dias
depois, Jesus compareceu novamente e repreendeu o apóstolo incrédulo. Em
resposta este fez abertamente a sua bela profissão de fé: "Meu Senhor e
meu Deus!". Com certeza esta foi uma das primeiras expressões do "credo"
da Igreja com referência a pessoa de Jesus, o crucificado-ressuscitado
começando a chamá-lo, assim, de Senhor e Deus.
Sempre estamos prontos a ficar do lado do pobre Tomé, porque achamos
que ele tinha todo o direito de conferir os sinais da paixão no corpo de Jesus
para não ficar pensando que os outros pudessem ter visto errado. No entanto
bem sabemos que nós nunca vamos poder repetir a mesma experiência; nós
estamos exatamente na condição dos bem-aventurados que terão que acreditar
não por uma visão pessoal, mas pelo testemunho dos outros, de quem "viu
e acreditou" (cf. Jo 20,8). O segredo da história, portanto, está no
testemunho. Podemos nos perguntar: Tomé não acreditou imediatamente mais pelo
fato de não ter visto o Senhor Jesus na primeira vez ou mais pela atitude dos
discípulos que continuavam trancados em casa? O nosso amigo tinha todo o
direito de duvidar daquilo que os outros diziam, simplesmente, por continuar
a vê-los ainda com tanto medo. Deve ter pensado que se tivesse sido verdade
que Jesus estava vivo e tinha doado a eles o dom do Espírito Santo (cf. Jo
21,22) por que estavam guardando para si a Boa Notícia? O que estavam
esperando para sair em missão? A prova, legítima, da dúvida de Tomé está na
forma como o livro dos Atos dos Apóstolos nos conta a chegada do Espírito
Santo no dia de Pentecostes. Naquele dia, portas e janelas foram escancaradas
e os apóstolos saíram para pregar a absoluta novidade: aquele que foi
crucificado estava vivo, tinha vencido a morte e, agora, Ele era o Senhor da
Vida. O medo se foi. Por causa deste anúncio, eles foram caluniados,
açoitados e até mortos. Pelo testemunho deles a fé em Jesus "Senhor e
Deus" chegou até nós.
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Quantas vezes, nos dias de hoje, perguntamo-nos: Por que é tão
difícil crer e por que também dá tanto trabalho quebrar o gelo dos corações,
atrair as pessoas, para que se deixem ajudar a encontrar Jesus, aquele que é
capaz de comunicar vida, força e esperança a todos os que o procuram de coração
sincero? A resposta ainda é e sempre será o nosso testemunho. A nossa fé deve
ser corajosa, deve ser bem visível e inequívoco; deve ser comprovada pelas
nossas obras, pela dedicação em transformar o mundo com o bem e o amor, pela
defesa da justiça em favor dos pobres e dos pequenos.
A ausência de fé ao nosso redor é uma acusação contra nós. Pode
ser que nos tenhamos apropriado de algo que não é somente nosso e que
precisamos devolver. A velha senhora desmascarou o médico ladrão. Para
acreditar, o mundo nos pede o testemunho da fé. Se está nos cobrando é porque
percebe que lhe falta alguma coisa. Isso é bom.
Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá/AP
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