LÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
Faz 36 anos que Eliana Zagui vive
deitada num leito de UTI
do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de
São Paulo.
Vítima de paralisia infantil aos dois anos, ela perdeu os movimentos
do pescoço para baixo. Respira com ajuda de equipamentos.
Na cama, a menina se formou no ensino
médio,
aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e
tornou-se
pintora. Tudo isso usando a boca para escrever,
pintar e digitar. Hoje, lança
(só para convidados)
seu primeiro livro:
(Belaletra
Editora).
Pulmão de aço é o nome de uma máquina,
inventada
na década de 1920, parecida com um forno. As pessoas com
insuficiência respiratória eram colocadas
dentro dela, com a cabeça de fora.
Eliana ficou cinco dias lá dentro, mas
não funcionou.
A pólio havia paralisado completamente o diafragma
e a
deglutição. Ela teve, então, que ser conectada para
sempre a um respirador
artificial. Só consegue ficar
poucas horas longe do aparelho.
Marisa Cauduro/Folhapress

Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e
meio mora no Hospital das Clinicas
Entre 1955 e o final da década de 70,
5.789 crianças vítimas
da pólio foram internadas no HC. Sete delas, atingidas
com
mais severidade, ficavam lado a lado na UTI.
"Nós nos apegávamos um ao
outro, como numa grande família.
Era a única maneira de suportar aquilo
tudo", lembra Eliana.
Da turminha, só sobreviveram ela e
Paulo Machado, 43,
que divide o quarto com a amiga e cuja história de vida
também aparece no livro.
"A Eliana é minha irmã, a minha família. Tem
temperamento forte.
Quando vejo que ela está brava, coloco os fones de
ouvido e
fico na minha", diz.
Eles poderiam viver com suas famílias,
com o apoio
do hospital. Mas nunca houve interesse por parte delas.
Os parentes
raramente os visitam.
"Não me magoo mais. Já sofri muito e hoje aprendi
que cada um é cada um."
Eliana e Paulo passam a maior parte do
tempo
na internet. Ela gosta de sites de relacionamentos,
de pintura e
artesanato. Paulo é aficionado por cinema.
Está envolvido na produção de uma
animação cuja
protagonista é Teca, o apelido carinhoso pelo qual chama
Eliana.
E, para ela, o amigo é o Teco.
Quando é necessário, ele faz as vezes
de irmão mais velho.
"Dias atrás, eu me irritei no Face [Facebook] e
postei uma
mensagem malcriada. O Paulo viu e me chamou a atenção",
conta
Eliana, que chegou a ter 3.000 amigos virtuais.
"Fiz uma limpa no final do
ano e só deixei uns cem.
Agora tenho uns 300, mas preciso limpar de novo."
A saudade dos amigos reais, os quais
viu morrer
um a um, é o que mais a entristece.
"Foram momentos tão bons.
Mas não voltam mais."
No livro, ela relata que flertou com o
suicídio.
"Avaliava as possibilidades: arrancar a cânula da traqueia
com a
boca, cortar ou furar o pescoço."
E encerra com humor.
"Descobrimos
que até para morrer antes da hora
precisamos da ajuda de alguém."
Eliana diz que, volta e meia, essas
ideias ainda a visitam,
mas que hoje tenta aliviar suas angústias nas
sessões
semanais de análise.
Marisa Cauduro/Folhapress

Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória
Pergunto se sonha em viver na casa dos
pais.
"Não. Eu iria estagnar", responde convicta. Mas, sim, ela
sonha
em morar fora do hospital.
Em dezembro último, pela primeira vez
em 36 anos, passou
o Natal fora do HC, na casa de amigos. Foi de maca e com
respirador artificial portátil.
"Foi uma experiência ótima,
indescritível."
Quanto ao livro, Eliana diz esperar que
ele ajude
"aqueles que não querem nada com a vida".
"É claro que
cada um tem as suas dores. A minha desgraça
não é maior que a sua nem a sua é
maior que a minha.
Mas é sempre bom poder aprender a tirar
o que vale a pena da
vida."
AUTORA Eliana Zagui
PREÇO R$ 36
PÁGINAS 240
EDITORA Belaletra
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